terça-feira, 25 de agosto de 2009

Voltando de uma das missas de domingo, vi mamãe chorando. Havia uma vela que ficava sempre acesa e um pequeno lugar de falar com Deus. Sempre que queria conversar algo com Ele, se punha de joelhos e falava baixinho.

Nesse domingo, ela estava calada, apenas lágrimas saiam de dentro dela. Fiquei quietinha ali do lado, olhando como ela parecia uma santinha pra mim. Em seguida, a vela apagou. Meu irmão chorou no quarto. Ela esboçou um sorriso.

Levantou a cabeça, fez um sinal de positivo e foi pra porta da cozinha como se tivesse certeza quem alguém viria. E veio. O leiteiro chegou. Conversaram. Ele levou o nosso radinho pequeno. Mamãe voltou sorrindo, ajoelhou novamente e agradeceu por ele ter deixado o leite. Foi pra cozinha cantando.

Eu fiquei triste pelo rádio...

segunda-feira, 17 de agosto de 2009

Meu par

Quando era dia do meu avô passar em casa, pra mim era como dia de festa. Me arrumava toda, prendia o cabelo, colocava laço e vestido colorido. E ele vinha lindo. Cabelos bem pretinhos e olhos grandes. Segurava minha mão, íamos à missa. Eu repetia todas as rezas só pra ele saber que eu aprendia fácil e de vez em quando deitava no seu ombro só pra sentir o cheiro de felicidade que ele trazia.

Passávamos horas contando histórias, ele ensinava como era fácil brincar de roda com as nuvens e que o sol gostava de rir da gente.

Certa vez, me sentou no banco da pracinha e enquanto eu contava as pedras do chão falou sobre o amor. Que isso era coisa pra gente que carregava o coração nas mãos. Que era tão bonito que fazia cócegas na alma. Colocou uma flor entre meus dedos e disse que quando eu fosse moça feita eu saberia.

E eu já sabia.

sexta-feira, 14 de agosto de 2009

Iguais















Sempre tive horror a pássaros. Era o bico que me incomodava. Aquela sensação de que eles sempre vinham com o único intuito de picar meus olhos, era pavorosa. Tinha pesadelos horríveis com bem-te-vis arrancando minhas córneas. As pessoas riam ao me ouvirem contar ou me afastar de qualquer um desses seres voadores. Alguns lindos, eu sei, mas pra mim só em fotos ou figuras ilustrativas.

Depois de algum tempo de terapia e das longas noites acordadas imaginando que um deles poderia entrar pela janela (fechada) do meu quarto, resolvi encará-los. Levantei bem cedinho, enquanto eles ainda cantavam no terreiro. Coloquei um pedaço de pão e esperei que viessem. Vieram em bando. Um querendo ser mais forte que o outro. Fiquei de longe observando. Depois fui pra perto e à medida que ia me aproximando eles é que iam saindo. Só um ficou. De penugem clara, pequeno, mas robusto. Eu olhei bem pra ele e disse:

─ Porque você ficou? Pra me enfrentar?

E ele de olhos fixos vôo pra mais perto e como se pedisse licença, pegou uma fagulha de pão perto do meu pé, foi até o muro e voltou. Pegou mais pão e fez isso algumas vezes, depois sumiu como se não se importasse com a minha presença.

Fui até o muro e vi dois pequeninos filhotes ali em um ninho...

Para nós dois, aquele era apenas mais um obstáculo vencido.

segunda-feira, 10 de agosto de 2009

Pingos na alma




Sempre que ameaçava vir chuva, a mãe como quem já prevê que seria das grossas, saia colocando pano em tudo que “tivesse vidro”. Era na TV, nas janelas e nos espelhos. E eu ia correndo atrás, ajudando. E ela rezando.

Depois ela juntava a gente no quarto e ficávamos todos em silêncio ouvindo as trovoadas. Quando balbuciávamos, ela não respondia. Ficava encolhida com os braços enlaçando as pernas e eu ali no meio segurando a mão do meu irmão. Parecia ritual.


Éramos todos filhinhos naquela hora, ouvindo o Criador zangar.

Carla Abreu