sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

Dois

Vez e outra quando vou à casa da minha avó gosto de olhar a varanda em que tinha um fogão de lenha. Era um cantinho nos fundos e ficava aceso quase o tempo todo. Era bom chegar da rua cheia de frio e ficar esquentando as mãos no calorzinho.

A Vó dificilmente deixava o fogo acabar. Quando tava no fim, ouvia-se:

¬_ José, a lenha!

E o Vô ia pro quintal buscar. Eu ia atrás para pegar as lascas que iam caindo pelo caminho. Nunca o vi fazer isso de mau humor. Até o jogo de baralho ele parava quando ela gritava da cozinha. E quando colocava lenha nova era lindo. O fogo ficava vistoso, colorido. A fumaça ia criando formas na minha frente.

Certa vez o Vô pegou uma brasa meio quente ainda, desenhou na parede ao lado uma flor. A Vô ficou braba que só. Disse que ele teria que pintar a casa toda, que parecia criança com essas bobagens. Eu achei bonito.

Mas o mais bonito de tudo era quando ele chegava da rua, ia até a beira do fogão e mexia na orelha da Vó. Ela fingia brabeza. Levantava a colher de pau como se fosse bater e ele saía de perto rindo. Dava pra ver o sorriso brotando no canto dos olhos dela. Eu ria só baixinho. Ele gargalhava.

Minha Vó não sabia falar de coisas de amor. Ficava rosada quando recebia carinho. Se o Vô mexesse então, ai ai. Além dos resmungos, a única frase que ela dizia era:

_ Fiz seu feijão.

Ele me olhava meio maroto, sem que ela notasse. Era uma espécie de confirmação do óbvio. Ela adorava tudo aquilo.

Depois o Vô morreu. A Vó parou de cozinhar no fogão de lenha. Mandou acabar com o dela. Disse que hoje em dia é melhor fogão a gás.

Pior do que ver aquele canto da casa vazio, é sentir a ausência do calor que ele trazia aos olhos dela.

Carla Abreu