terça-feira, 25 de maio de 2010

Entendimento

Acabava o carnaval e pronto, a cidade murchava. Começava a Quaresma e a grande maioria católica da cidade guardava os quarenta dias em mais profundo luto. Até a natureza ajudava, trazendo as flores roxas de mesmo nome. O padre usava junto com sua batina branca, um manto roxo. A igreja ficava triste. A vida entristecia por aqui.

Na casa da minha Vó durante a Semana Santa, nem se ouvia barulho. Na sexta-feira então, nem na vassoura se pegava. Parecia que Jesus havia acabado de ser crucificado e até a morte de Judas, nada de festa.

Durante a última Semana, a Igreja vivia toda a paixão de Cristo e ainda lembro de algumas senhoras rezando baixinho o terço e chorando durante as procissões. Meu avó ia com os outros homens lá na frente segurando as velas, enquanto um moço vestido de Jesus passava.

Uma vez minha mãe chegou reclamando com a Vó que eu andava muito chorona durante a quaresma. E sem nem me olhar direito a Vó deu o diagnóstico:

_ Isso é espinhela caída. Tem que benzer.

E fomos até a casa da Dona Sebastiana, a “benzedera” oficial da cidade. Confesso que eu tinha um pouco de medo de ser benzida, mas minha mãe falava que ajudava a virar anjinho e isso me convencia sempre.

Quando cheguei na casa dela fiquei escutando ela falar indignada com minha mãe sobre a chuva que caíra no dia anterior.

_ Nunca vi chover em quaresma! Ainda mais no dia da Procissão do Jesus Morto. Se ainda tivesse sido na de Ramos. Pelo menos nessa Jesus tava vivo andando no cavalo, já ontem, tava mortinho no caixão. Uma tristeza só.

_ Pois é.

_ Tinha algo errado com aquela chuva. Era insistente feito choro de anjo.

_ Vai ver eram os anjinhos chorando mesmo.

E eu fiquei sem entender o que fazia ali, se até os anjos choravam...

Carla Abreu

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