quinta-feira, 2 de julho de 2009

Descoberta

Hoje acordei com cheiro de pitanga n'alma. Há tempos não sentia o corpo tão leve. Há tempos não vejo pitangas.

Minha relação com essa fruta começou bem cedo. Quando criança, minha mãe tinha mania de alergias. Tudo que eu respirava, ela dizia que me faria mal. A família inteira me evitava afinal, era impossível conviver com alguém alérgica a perfumes, poeira, lã, beijos, leite e por aí vai. Até que um dia, descobri o absurdo. Eu era alérgica a mato, "- qualquer tipo de mato e se sentir o cheiro de longe ela espirra-" disse ao médico. Agora, me diz como alguém pode nascer em uma cidade que 70% do seu território é composto de pastos, árvores, montanhas, todo tipo de verde possível e ser alérgica? Pois é, para ela eu era. Nem procurei descobrir como ela havia chegado à essa conclusão. Acreditei. Passava quase o tempo todo com medo. A qualquer espirro e apareciam os remédios, as
bombinhas, nebulizadores. Um tormento.

Com isso, os dias iam passando e eu cada vez mais sozinha. Meus primos me evitavam. Só
Amelinha brincava comigo. Eu sentia tanta inveja dela. Era a mais pobre de todos nós e a mais livre também. Brincava com os meninos. Corria. Caía. Brigava. E eu ali, olhando. Até que numa tarde, eu pedi a ela que me levasse para onde eles brincavam. Ela foi pro outro lado da rua, conversou com os garotos e voltou dizendo que eu poderia ir, mas que em hipótese alguma poderia chorar. Eu chorava por tudo. Percebei que só ela me queria ali, os meninos nem me olhavam. Eu precisava tanto do desconhecido. E ainda preciso. Então, eu fui.

Fui quase o tempo todo calada. A voz não saía, porém meus olhos transbordavam medo, ansiedade e alegria. Me disseram pra tirar o sapato pra correr melhor, mas preferi correr menos. Pensei na asma. Pensei nas
bombinhas.

Depois de alguns minutos andando, chegamos. Até hoje não sei o que foi aquilo que senti ao entrar com todos eles em meio a um pasto bem verde. O capim chegava ao joelho e cortava de leve as pernas. Senti cócegas. Eu ria por dentro. No início, tapei o nariz. Lembrei de mamãe. Amelinha chegou correndo e me empurrou. Rolei ali no meio de onde tudo começava. Senti a vida. Respirei. Esse foi o primeiro empurrão que ambas me deram.

Para mim só isso já estava bom. Correr. Rir. Cair. Respirar. Porém, logo ouvi um grito de
Amelinha: - "Levanta, moleza! Vai acabar ficando sem nenhuma."-. Nenhuma o quê? Pensei. Levantei meio tonta, não pelo tombo e sim do êxtase do momento. Felicidade também tonteia. Me ergui depressa. Não queria ficar para trás novamente. Nunca mais poderia.

Quando levantei meus olhos vi uma árvore ali no meio de todo aquele pasto. Só havia ela. Pensei em mim. Não podia chorar. Cheguei bem perto e
Amelinha colocou em minha mão o que eles comiam. Eram pitangas. Xerei. Levei até minha boca com um pouco de receio e mastiguei. Meu Deus! Nunca uma sensação se materializara tanto em mim. Senti o gosto da pitanga e o cheiro da liberdade.

Acho que nunca agradeci
Amelinha por isso...

6 comentários:

  1. Meu Amor, você me leu esse escrito enquanto ele ainda residia numa folha de caderno. Lembro-me do efeito imediado de encantamento e do mergulho que fiz no mar verde do cheiro do mato e das amarras de não se afogar. É lindo! Um belíssimo trabalho cheio de espírito! Parabéns!

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  2. Obrigada, Amor! Mas, são só memórias.rs

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  3. amei, lindo mesmo,sabia da sua capacidade mas hoje eu to orgulhosa de ser sua tia,parabens querida, nao deisista de seus sonhos.
    bjs meu anjo!

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  4. agora tá confirmado, dá pra dizer: é de pequena que elagosta da fruta! rs

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  5. e quem disse haver SÓ memórias? Repara, a memórica é a história que encontra o dejavú de olhares novos, desdobra por dentro e por fora, não tem fim nem começo.Nunca é um apenas somente, é bem mais um sem fundo que se diz passado acontecendo de presentes os meios rs...

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