segunda-feira, 4 de outubro de 2010

Do que se vê pelas frestas

Dia desses abri a janela de casa. Aqui não tem muita graça fazer isso. As pessoas passam correndo, os carros fazem uma barulheira que só vendo e sempre dou de cara com a vizinha da frente, na varanda.

Lá em Minas que era bom. De manhã eu já corria pra janela, passava o João entregando leite, feliz da vida. Depois os netos da dona Sinica vinham vendendo verduras num carrinho de mão. O sino da escola batia e era por ele que a mãe marcava as horas.

Ela não gostava de relógios, dizia que só servia pra apavorar a gente. Tinha que fazer tudo com pressa e nada ficava bom. Eu até hoje não sei usar relógio. Lá se marcava o tempo pelo cheiro.

À noite a gente ficava na varanda escutando o pessoal passar e contar alguma coisa. Sempre tinha uma novidade.

O Chico passava todo dia por volta da hora que só se sente o cheiro do sono. A Dona Mariquinha dizia que : “ lá vinha o cachaceiro”. Eu não gostava que falassem dele assim. Ele era a pessoa mais engraçada dali, tinha bicho de pé e ria daquilo. Falava de nuvens que sobem e descem, de árvores que alcançavam o céu com as mãos e falava de gente. Não como a mãe e a tia falavam. Ele falava de alma de gente. De olhar cheio de flores vindo não sei “daonde”. De sorrisos misturados com bebidas de uva.

De paixão...

Certa vez ele ouviu falar que uma moça havia fugido com o homem do circo. Cada um falava uma coisa sobre isso. O Chico sentou na calçada e disse pra mim que aquilo era fogo no peito e que era bonito fazer as coisas assim, queimando por dentro.

Tempos depois vim descobrir que o Chico falava do fogo que acalenta a vida.

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